NANÃ




I
Olorun enviou Nanan e Oxalá para viverem na Terra e criarem a humanidade. Os dois foram dotados de grandes poderes para desempenharem essa tarefa, mas somente Nanan tinha o domínio do reinado dos eguns, e guardava esses segredos, bem como o da geração da vida, em sua cabaça.
Oxalá não se conformava com esta situação, queria poder compartilhar desses segredos. Tentava agradar sua companheira com oferendas para convencê-la a revelar seu conhecimento.
Nanan, sentindo-se feliz com as atitudes de Oxalá, decide mostrar-lhe egun, mas apenas ela era reconhecida nesse reinado.
Certa vez, enquanto Nanan trabalhava com a lama, Oxalá, disfarçando-se com as roupas dela, foi visitar egun, sem lhe pedir autorização.
Quando Nanan, sentiu a falta de Oxalá e de sua própria vestimenta, teve certeza de que ele havia invadido o seu reinado, atraiçoando-a gravemente. Enfurecida com a descoberta, resolveu fechar a passagem do mundo proibido, deixando Oxalá preso.
Enquanto isso, Oxalá caminhava no reinado de Nanan, tentando descobrir seus mistérios, mas apenas ela conseguia comunicar-se com os eguns.
Egun, sempre envolto em seus panos coloridos, não tinha rosto, nem voz. Oxalá, usando um pedaço de carvão, criou um rosto para ele, como já havia feito com os seres humanos, e, com seu sopro divino, abriu-lhe a fala. Assim, ele conseguiu desvendar os segredos que tanto queria, mas, quando se deu conta, viu que não conseguia achar a saída.
Nanan não sabia o que fazer, por isso fechou a passagem para mantê-lo preso até encontrar uma forma de castigá-lo. Contou a Olorun sobre a traição de Oxalá, que não aprovou a atitude de ambos. Nanan errou ao revelar a Oxalá os segredos que o próprio Olorun lhe confiara. Para castigá-la, tomou o seu reinado e o entregou a Oxalá, pois ele desempenhara melhor a tarefa de zelar pelo eguns. Oxalá também foi castigado, pois invadiu o domínio de um outro orixá. Daquele dia em diante, Oxalá seria obrigado a usar as roupas brancas de Nanan, cobrindo o seu rosto com um chorão, que somente as iyabás usam.
II
Disputa entre NANÃ BURUKU e OGUM
Nanã Buruku é uma velhíssima divindade das águas, vinda de muito longe e há muito tempo.
Ogum é um poderoso chefe guerreiro que anda, sempre, à frente dos outros Imalés.
Eles vão, um dia, a uma reunião.
É a reunião dos duzentos Imalés da direita e dos quatrocentos Imalés da esquerda.
Eles discutem sobre seus poderes.
Eles falam muito sobre obatalá, aquele que criou os seres humanos.
Eles falam sobre Orunmilá, o senhor do destino dos homens.
Eles falam sobre Exú: "Ah! É um importante mensageiro!"
Eles falam muita coisa a respeito de Ogum.
Eles dizem: "É graças a seus instrumentos que nós podemos viver. Declaramos que é o mais importante entre nós!"
Nanã Buruku contesta então: "Não digam isto. Que importância tem, então, os trabalhos que ele realiza?"
Os demais orixás respondem: "É graças a seus instrumentos que trabalhamos pelo nosso alimento. É graças a seus instrumentos que cultivamos os campos. São eles que utilizamos para esquartejar."
Nanã conclui que não renderá homenagem a Ogum. "Por que não haverá um outro Imalé mais importante?"
Ogum diz: "Ah! Ah! Considerando que todos os outros Imalés me rendem homenagem, me parece justo, Nanã, que você também o faça."
Nanã responde que não reconhece sua superioridade. Ambos discutem assim por muito tempo.
Ogum perguntando: "Voce pretende que eu não seja indispensável?"
Nanã garatindo que isto ela podia afirmar dez vezes.
Ogum diz então: "Muito bem! Você vai saber que eu sou indispensável para todas as coisas."
Nanã, por sua vez, declara que, a partir daquele dia, ela não utilizará absolutamente nada fabricado por Ogum e poderá, ainda assim, tudo realizar.
Ogum questiona: "Como você fará? Você não sabe que sou o proprietário de todos os metais? Estanho, chumbo, ferro, cobre. Eu os possuo todos."
Os filhos de Nanã eram caçadores. Para matar um animal, eles passaram a se servir de um pedaço de pau, afiado em forma de faca, para o esquartejar.
Os animais oferecidos a Nanã são mortos e decepados com instrumentos de madeira.
Não pode ser utilizada a faca de metal para cortar sua carne, por causa da disputa que, desde aquele dia, opôs Ogum a Nanã.
III
Nanã era rainha de um povo e tinha poder sobre os mortos. Para roubar esse poder, Oxalá casou com ela, mas não ligava para a mulher. Então, Nanã fez um feitiço para ter um filho. Tudo aconteceu como ela queria mas, por causa do feitiço, o filho (Omolu ) nasceu todo deformado; horrorizada, Nanã jogou-o no mar para que morresse. Como castigo pela crueldade, quando Nanã engravidou de novo, Orumilá disse que o filho seria lindo mas se afastaria dela para correr mundo. E nasceu Oxumaré, que durante 6 meses vive no céu como o arco-íris, e nos outros 6 é uma cobra que se arrasta no chão.
IV
Na aldeia chefiada por Nanã, quando alguém cometia um crime, era amarrado a uma árvore e então Nanã chamava os Eguns para assustá-lo. Ambicionando esse poder, Oxalá foi visitar Nanã e deu-lhe uma poção que fez com que ela se apaixonasse por ele. Nanã dividiu o reino com ele, mas proibiu sua entrada no Jardim dos Eguns. Mas Oxalá espionou-a e aprendeu o ritual de invocação dos mortos. Depois, disfarçando-se de mulher com as roupas de Nanã, foi ao jardim e ordenou aos Eguns que obedecessem "ao homem que vivia com ela "(ele mesmo). Quando Nanã descobriu o golpe, quis reagir mas, como estava apaixonada, acabou aceitando deixar o poder com o marido.
V
Certa vez, os Orixás se reuniram e começaram a discutir qual deles seria o mais importante. A maioria apontava Ogum, considerando que ele é o Orixá do ferro, que deu à humanidade o conhecimento sobre o preparo e uso das armas de guerra, dos instrumentos para agricultura, caça e pesca, e das facas para uso doméstico e ritual. Somente Nanã discordou e, para provar que Ogum não é tão importante assim, torceu com as próprias mãos os animais destinados ao sacrifício em seu ritual. É por isso que os sacrifícios para Nanã não podem ser feitos com instrumentos de metal.
VI
Conta a lenda que Nanã só julgava os homens, pois ela colocava as mulheres acima do julgamento humano. Ela plantou um jardim e quando uma mulher reclamava de seu homem, ela o pendurava em uma árvore e chamava os Eguns, espíritos desencarnados, para assustá-lo. Os Orixás estavam revoltados. Então Ogum pediu a Oxalá para ir dominar Nanã. Ele enfeitiçou Nanã e fez com que mostrasse seu jardim. Nanã adormeceu e Oxalá vestiu-se de mulher, fugindo dos Eguns. Nanã acordou e foi atrás de Oxalá, enfeitiçando-o e seduzindo para sempre o Orixá maior. Dessa união nasceu Oxumaré, o arco-íris e também Iroko e Omulu.
VII
Conta-se que Oxalá se ia casar com Nanã, mas um dia ele foi à praia e na beira do mar encontrou Yemanjá. Essa Orixá, muito linda e envolvente, seduziu Oxalá, que ficou em sua companhia. Nanã sofreu muito quando Oxalá voltou e lhe contou que não podia viver sem Yemanjá, mas ele também disse a Nanã que ainda a amava. Ela não se queixou e deixou o noivo ir. Yemanjá é enganadora, fingida e fez muitas a Oxalá, até que ele não quiz mais saber dela e voltou para Nanã. Arrependido, ele disse que o mar lhe chamava, mas era no barro que estava o seu céu. Nanã perdoou a Oxalá e também a Yemanjá.
VIII
Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o òrìsà tentou vários caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra, mas ainda a tentativa foi pior. Fez de fogo e o homem se consumiu. Tentou azeite, água e até vinho de palma, e nada.
Foi então que Nanã veio em seu socorro e deu a Oxalá a lama, o barro do fundo da lagoa onde morava ela, a lama sob as águas, que é Nanã.
Oxalá criou o homem, o modelou no barro. Com o sopro de Olorum ele caminhou. Com a ajuda dos òrìsà povoou a Terra. Mas tem um dia que o homem tem que morrer. O seu corpo tem que voltar à terra, voltar à natureza de Nanã.
Nanã deu a matéria no começo mas quer de volta no final tudo o que é seu.
Lenda concedida por: Reginaldo Prandi - Professor de Sociologia da USP.
IX
Nanã é a deusa das chuvas, senhora da morte, e responsável pelo portais de entrada (reencarnação) e saída (desencarne).
Em sua passagem pela Terra, foi a primeira iabá e a mais vaidosa, em nome da qual desprezou seu filho primogênito com Oxalá, Omulu, por ter nascido com várias doenças de pele. Não admitindo cuidar de uma criança assim, acabou abandonando-o no pântano.
Sabendo disso, Oxalá condenou-a a ter mais filhos, os quais nasceriam anormais (Oxumaré, Ewá e Ossayn), e a baniu do reino, ordenando-lhe que fosse viver no mesmo lugar onde abandonou seu pobre filho, no pântano.
Nanã tornou-se uma das yabás mais temidas, tanto que em algumas tribos quando seu nome era pronunciado todos se jogavam ao chão.
Senhora das doenças cancerígenas, está sempre ao lado do seu filho Omulu.
Protectora dos idosos, desabrigados, doentes e deficientes visuais.
X
Nanan Buruku é a divindade das águas, a mais antiga de todas, muito velha e arredia, dona das águas paradas, das lagoas e dos pântanos.
Certa feita, numa reunião com todos os Imalés, falou-se muito sobre Obatalá, aquele que criou os homens, sobre Orunmyilá, o dono do destino dos seres humanos. Sobre Exu disseram que era um importante mensageiro, e sobre Ogun, que era o mais importante de todos, que era o dono do ferro e dos metais e que sem as ferramentas que ele fazia era impossível plantar, colher, construir ou fazer a guerra. Todos o reverenciaram, menos Nanan Buruku.
Ela se dispôs a provar que não precisava dos metais. Com as madeiras mais duras da floresta fez cavadeiras para semear e cavar; para caçar, fez flechas de caniço e osso; para cozinhar, panelas de barro; para guerrear, lanças e clavas, facas de bambu e escudos de couro de rinoceronte.
É por isso que não se usam objectos de metal para matar os animais oferecidos a Nanan Buruku.